segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Uma vez senzala, sempre senzala!

Em pedaços, no engenho teatral. Os atores estão em cena quando o público entra no teatro. Tudo é branco. Os figurinos são iguais a todos com detalhes vermelhos. Esta última cor já indica o posicionamento político que o grupo defende. De uma maneira bem popular, narrativa, os atores informam que tipo de dramaturgia estamos acostumados a ver e que outras possibilidades existem e que são muito mais libertadoras. Mostrando os mecanismos do fazer teatral e da própria sociedade capitalista...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Forma e conteúdo no mesmo Terreiro


Quem sofreu mais, e ainda sofre, em nosso país são os negros, e ainda mais cruelmente as mulheres negras. As Capulanas é um grupo de teatro formados somente por mulheres negras. Radicalizaram na forma pra poder dar conta de um outro conteúdo. Com poesias, do poeta negro Solano Trindade, com Dança Afro, músicas, cantos e com depoimentos pessoais. Mostram a beleza da mulher com os seus traços bem marcados e ao mesmo tempo o sofrimento que ainda passam. Essa dualidade está presente o tempo inteiro. Depois de uma cena de exaltação da beleza e da raça vem outra seguida de denuncia. Não são ingênuas. Nem um pouco.
Elas se conheceram na PUC e se juntaram para falar de algo que lhe dissessem respeito. São todas da zona sul de SP. Periferia e Embu das Artes, que antigamente era só Embu até a chegada de Solano com suas festas e artes e partir daí passou a se chamar oficialmente Embu das Artes, famosa pela feira de artesanato.
O espetáculo é muito sutil. Os silêncios, muito bem construídos, transcendem o tempo e o espaço, nos levando a outros lugares do passado, acessamos a ancestralidade e parecemos voltar para uma condição ontológica.
As Capulanas são os tecidos que as mulheres usam para carregar o bebê, inclusive os homens também podem usar. Tecido é algo de grande significância na África. A partir dos tecidos que se contam as historias. As Capulanas são guerreiras! Estão com o projeto Pé no Quintal, contempladas com o Fomento para o Teatro, apresentam a peça no quintal das pessoas. Em verdadeiros terreiros, longe do centro e de Teatros.
É um questionamento da hegemonia européia predominante em palcos brasileiros. Ainda muito presos a conceitos, inclusive ultrapassados e que não dão conta da complexidade das relações atuais.
Mais aqui não tem drama burguês. Tem poesia, musica, dança e alguns momentos de drama, no sentido de ação. A tradição é oral. A arte está no corpo, mas isso não quer dizer que não são inteligentes, pelo contrario, são engajadas e estas estão nos debates, encontros, a cerca questão racial. Sem jamais perder a qualidade artística. Jamais!
Ainda conta com a participação dos bisnetos do Solano: Zinho Trindade (poesias) e Manoel Trindade (música). São os griôs, contadores de historia afro-brasileiros contemporâneos.
Este espetáculo nos faz pensar na arte, na política e nas nossas raízes milenares. Axé!

AS CAPULANAS – Cia de Arte Negra

Espetáculo: Solano Trindade e suas negras poesias.
www.ciacapulanas.blogspot.com

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Salve o ser social!


Salve a zona leste! Salve! O salve de saldar pode ser, neste caso, de salvar, pois na leste somos mais de quarenta milhões! E não estamos bem. Não irão nos salvar vamos ter que nos juntar e lutar. Começando por mudanças nos nosso trabalho e na nossa maneira de viver. A saga do menino diamante, do coletivo de artes Dolores, não conta a historia de um individuo, mas a saga da humanidade. Assim como um repolho existem várias cascas, não somos só um e nem estamos fora do tecido social, apesar de alguns acharem que isso não interfere. De fato, pra alguns o meio interfere muito pouco em sua vida, com tanta cerca acabam criando uma bolha elétrica e se fechando dentro dela. Mas pra maioria não é bem assim que funciona. Distante do centro a peça ocorre em um CDM na Patriarca ao ar livre às 22h aos sábados. Não há cadeiras, sentamos numa esteira que somos responsáveis por carregá-las durante a procissão ou então ficamos em pé durante uma hora e meia. No prólogo somos informados das dificuldades que teremos durante o espetáculo e nesta fala já fica evidente o posicionamento político de esquerda socialista que eles defendem.
Não tem drama, tem poesia, música e teatro épico de primeira qualidade.
E é por este ponto de vista que a historia será contada, sem maquiagem de ideologia, sem disfarces, deixa isso pra quem ainda precisa. O elenco é composto pro 25 atores/trabalhadores e mais cinco músicos da banda Inhocuné Soul, que faz a poeira subir, é isso mesmo o chão é de terra, pra quem acha que em São Paulo não existem ruas de terra é porque nunca saiu do centro e dos bairros nobres, por aqui você encontra uma vida quase de interior, porém com muita violência. Nesta ópera tudo é tão evidente que uma favela é levantada aos olhos da platéia. Os mecanismos teatrais são mostrados propositadamente assim como os mecanismos de exploração política.
Que time você torce? São Paulo, Palmeiras, Santos ou Nike?
Venha tomar um café e sentir um pouquinho a vida de uma bóia-fria em seu acampamento. Venha ver como somos enganados, usados e depois desapropriados. Venha se divertir! Não paga nada. Depois ainda tem uma balada até as 4:00 da manhã. A ópera termina, mas a saga continua.

www.doloresbocaaberta.blogspot.com

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Os Mesquiteiros em terra de Reis


Maradona tem uma tatuagem de Che Guevara no braço, e o Pelé tem uma tatuagem de Zumbi do Palmares? Não. O debate na escola Mesquita com o escritor Alessandro Buzo esquentou quando ele disse que temos reis, mas que reis são esses? O rei da bola, o eterno Pelé, é o melhor jogador do mundo, mas o argentino é muito mais legal (risos). Ouro Rei é da música, Roberto Carlos que comemora cinqüenta anos de carreira, sem nunca ter dado as caras na favela, se deu nunca vimos. Esses são os nossos reis. Conheci o Buzo pelo Trem, seu primeiro livro. Ele é do Itaim, mas não o Bibi dos boys, é o paulista dos baianos. Sempre ao lado de sua esposa, a fotógrafa Marilda Borges, se declara um homem-feminista, um branco-negro.
O bairro do evento é Ermelino Matarazzo, Jd. Varonia, zona leste de São Paulo. Já devem ter ouvido a canção Vide o Verso o meu endereço, de Adoniram Barbosa, Casei, comprei uma casinha lá no Ermelino... Será que ele comprou mesmo ou foi uma licença poética? Nas proximidades do colégio existe uma favela chamada Buraco Quente, seria redundante explicar os motivos da quentura, então é ali que o professor de história Rodrigo Ciríaco (poeta da Cooperifa, autor do livro Te pego lá fora) desenvolve o projeto Literatura (é) possível através do teatro e da literatura adaptando contos e poemas de autores da periferia com os alunos em cena. Depois do debate fomos para o pátio onde aconteceu um Sarau, membros do projeto fizeram trechos de seu espetáculo “De aqui de dentro da guerra” e leram textos de Marcelino Feire, Sergio Vaz, Fernando Pessoa entre outros. Este ano eles receberam incentivo da prefeitura para dar continuidade ao trabalho que faziam sem verba alguma. Estes são os Mesquiteiros em terra de reis lutando criando possibilidades para que a literatura seja possível e para que esse buraco fique quente, mas não de armas e drogas, mas aquecidos de muita poesia.

Serviço:
Sarau dos Mesquiteiros
Todo último sábado do mês
Horario: a partir da 18h
Local: EE Jornalista Fco. Mesquita
Rua: Venceslau Guimarães, 581 JD Veronia – Ermelino Matarazzo.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O pior pastel e a melhor semana.

Comi o pior pastel e tomei a pior cerveja! Desavisado? Não. Tem uma placa na entrada descrevendo as opções do Bar. Este é o Sarau do Binho, no Campo Limpo zona sul de Sampa. O clima é descontraído, aconchegante. Nas paredes do bar há quadros de pintura, sinal de que este bar tem um Q. a mais, ao entrar da rua do evento podemos ver o povo na porta, o clima é hoots. Essa é a zona super! Me lembro com nostalgia quando freqüentava bailes e shows de Hip-Hop nos anos 90. Era sensacional! Se você nunca viu um show dos Racionais MC’S na zona sul, então você nunca viu um show dos Racionais de fato. Pois ali é diferente, e perceba que pra eu assumir isso é difícil porque sou da zona leste e um defensor desta. Mas tenho que ser realista a sul é embaçada, mano! Mas voltando ao Sarau, com os latidos do cachorro vira-lata correndo atrás dos carros, a poesia se inicia de uma maneira informal sem inscrições, o mestre de cerimônias sente o espírito do momento e convida os poetas para declamarem. Ele não faz distinção entre os freqüentadores mais assíduos dos que estão indo primeira vez, ele te faz sentir em casa. Manoel de Barros foi o texto inaugural desta noite de segunda-feira, narrativa da passagem de Guimarães Rosa por sua terra. Não podia começar melhor. E daí por diante passou criança recitando cordel, cantando musicas de amor, rappers, teve até canção de Secos e Molhados, cenas de teatro, e o músico por fim Gunnar, poetas vendendo seus livros, CDs, broches xerocados de celebridades da região. Tudo isso faz parte desta celebração. A diversidade é tão ampla que encontrei por lá a Ingrid Maria (Hamburgo/Alemanha) doutoranda em letras e sua pesquisa: literatura periférica do Brasil (muitas idéias trocadas. Nos contou das relações de seu povo com os estrangeiros, atualmente a gíria mais usada é chamar de “Victíma”. E nesta noite conheci a Lucía Tennina (Argentina) professora de literatura brasileira em seu país, e ficou de me ajudar na pesquisa da dramaturgia contemporânea pós-colonial passando os contatos de seus hermanos dramaturgos. Agora o mais curioso desta galera são as Caminhadas Culturais: A Expedição Donde Miras, eles vão a pé, já foram pra Curitiba, Paraty etc. falando poesias, cantando, atuando,... . Acabaram de chegar da Caminhada Lua Cheia. E o objetivo é ir pelos países da América Latina, meu Deus, por que eu fui conhecê-los? Bom, agora eu vou ter que caminhar com esse povo. E voltando novamente ao bar, este local feito pra se beber álcool, uma das drogas que mais mata no nosso país, e onde as pessoas se encontram, é no bar que a literatura está mais viva neste momento. Nunca se fez tanto saraus. Os teatros estão cada vez vazios. E os bares cada vez mais cheios. Por quê que a gente ainda quer fazer teatro no Teatro? Eu não sei. Só sei que atravesso a cidade para me encontrar com “pessoas”, no pior dia da semana (segunda), com o pior pastel entre outros piores, mas principalmente pra juntos comungarmos a palavra e ter uma melhor semana.

Serviço:
SARAU DO BINHO
Todas as segundas-feiras, a partir das 21h. Bar do Binho. R: Avelino Lemos Jr., 60 Campo Limpo, Zona Sul. Entrada franca. 11 5844-4535.